quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Moção aprovada por unanimidade

Assembleia-geral dos Professores e Educadores do
Agrupamento Vertical de Escolas Dr. Garcia Domingues, Silves

MOÇÃO/PROPOSTA

Exmo. Sr.
Presidente do Conselho Pedagógico
Agrupamento Vertical de Escolas Dr. Garcia Domingues, Silves

Os Professores e Educadores do
Agrupamento Vertical de Escolas Dr. Garcia Domingues, Silves, abaixo-assinados, reunidos em Assembleia-geral no dia 28 de Outubro de 2008, aprovaram por unanimidade a seguinte moção/proposta de SUSPENSÃO DA APLICAÇÃO DO NOVO MODELO DE AVALIAÇÃO
para a qual requerem a sua melhor atenção, designadamente a urgente convocação de um Conselho Pedagógico extraordinário que faça a sua apreciação.


PROPOSTA
1 – Por se considerar a Avaliação de Desempenho um instrumento decisivo para o aprofundamento de competências e de práticas pedagógicas e científicas por parte dos docentes e, consequentemente, para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem;

2 – Por ser ferramenta central e sensível da vida escolar, a Avaliação de Desempenho é um assunto demasiado sério, do qual depende o justo reconhecimento do empenho profissional dos docentes e a qualificação das aprendizagens escolares, não sendo, como tal, passível de se poder constituir como peça de estratégia política ou propagandística, seja ela qual for, e concretamente, como instrumento para uma enviesada avaliação do estado da educação e das suas estatísticas em Portugal;

3 – Por ser imperiosa a necessidade de se instituir nas escolas um modelo de Avaliação do Desempenho dos professores que seja capaz de implementar, de forma séria, diferenciações qualitativas entre as práticas docentes e de promover, verdadeiramente, o sucesso educativo, sem deixar margem para arbitrariedades, desconfianças, incertezas ou propostas minimalistas de simplificação, incertas e vazias de conteúdo;

4 - Como tal, esta Assembleia-geral de professores é favorável à abertura de um amplo debate nacional que possa ser gerador de um consenso alargado entre professores, actores políticos, tutela e comunidades educativas, de molde a garantir-se a definição de um modelo de avaliação consistente, que possa ultrapassar a conflitualidade actual, motivar os professores, fomentar a qualidade do ensino e contribuir para o prestígio da escola pública;

5 – O Modelo de Avaliação do Desempenho estatuído no Decreto Regulamentar nº 2/2008 não assegura a justiça e o rigor de que os professores e as escolas são devedoras, nem protege, necessariamente, a valorização dos melhores desempenhos.

Assim, e em conformidade com o exposto, propõe-se a suspensão da aplicação do novo Modelo de Avaliação do Desempenho dada ainda a constatação do seguinte conjunto de limitações e de inconsistências, algumas delas de legalidade duvidosa:

a) A possibilidade efectiva deste Modelo de Avaliação do Desempenho colidir com normativos legais, nomeadamente, o Artigo 44º da Secção VI (Das garantias de imparcialidade) do Código do Procedimento Administrativo, o qual estabelece, no ponto 1, alíneas a) e c), a existência de casos de impedimento sempre que o órgão ou agente da Administração Pública intervenha em actos ou questões em que tenha interesses semelhantes aos implicados na decisão. Ora, os professores avaliadores, que por delegação de competência podem nem ser titulares estando em igualdade de situação na carreira com os avaliandos, concorrem com estes no mesmo processo de progressão na carreira, disputando lugares nas quotas a serem definidas;

b) Também a imputação de responsabilidade individual ao docente pela avaliação dos seus alunos, cuja progressão e níveis classificatórios entram, com um peso específico de 6,5% na sua avaliação de desempenho, configura uma violação grosseira, quer do Despacho Normativo nº 1/2005, o qual estipula, na alínea b) do Artigo 31º, que a decisão quanto à avaliação final do aluno é, nos 2º e 3º ciclos, da competência do conselho de turma sob proposta do(s) professor(es) de cada disciplina/área curricular não disciplinar, quer do Despacho Normativo nº 10/2004, o qual estabelece, no nº 3.5 do Capítulo II, que “a decisão final quanto à classificação a atribuir é da competência do Conselho de Turma, que, para o efeito, aprecia a proposta apresentada por cada professor, as informações justificativas da mesma e a situação global do aluno.";

c) De rejeitar, são ainda os critérios que nortearam o primeiro Concurso de Acesso a Professor Titular, valorizando, acima de tudo, a mera ocupação automática de cargos nos últimos sete anos lectivos, independentemente de qualquer avaliação da competência e da adequação técnica, pedagógica ou científica com que os mesmos foram exercidos, deixando de fora muitos professores com currículos altamente qualificados, com uma actividade curricular ou extracurricular excelente e prestigiada, marcada por décadas de investimento denodado na sua formação pessoal, na escola e nos seus alunos. Esta lotaria irresponsável gerou uma divisão artificial e gratuita entre “professores titulares” e “professores”, criando injustiças insanáveis que minam, inelutavelmente, a credibilização deste modelo de avaliação do desempenho.

d) Este Modelo de Avaliação do Desempenho, é igualmente condenável, porque, além de configurar uma arquitectura burocrática absurda e desajustada daquilo que é relevante no processo de ensino/aprendizagem, possa desencadear, no quotidiano escolar, processos e relações de extraordinária complexidade e melindre, mercê de contingências disparatadas, como os avaliadores de hoje serem avaliandos amanhã, e vice-versa, avaliadores com formação científico-pedagógica e académica de nível inferior aos avaliandos, ou ocorrerem avaliações da qualidade científico-pedagógica de práticas docentes empreendidas por avaliadores oriundos de grupos disciplinares muito díspares (os quais, nem sequer foram objecto de uma formação adequada em supervisão e avaliação pedagógica, quanto mais científica);

e) O Ministério da Educação não está em condições de poder assegurar às escolas que muitos dos avaliadores possuam, além das competências de avaliação requeridas, uma prática pedagógica modelar, ou apenas razoavelmente bem sucedida, nos parâmetros em que avaliam os colegas. Em contexto escolar, parece-nos anti-pedagógico e contraproducente impor a autoridade por decreto, a partir de uma cegueira autocrática;

f) Ao contrário da convicção dos responsáveis pela área da Educação, considera-se que não é legítimo subordinar, mesmo que em parte, a avaliação do desempenho dos professores e a sua progressão na carreira, ao sucesso dos alunos e ao abandono escolar (Decreto Regulamentar nº 2/2008, Artigo 8º, ponto 1, alínea b), desprezando-se uma enormidade de variáveis e de condicionantes que escapam ao controlo e à responsabilidade do professor, tendo em conta a dificuldade prática em ponderar, objectivamente, a diversidade e a incomparabilidade de casos e situações. Desta forma, criam-se condições desiguais entre colegas – por exemplo, as turmas são constituídas por alunos com diferentes motivações e especificidades; há disciplinas em que a obtenção de sucesso está mais facilitada, pelo que os resultados da avaliação dos alunos serão comparados entre disciplinas com competências e níveis de exigência totalmente diferentes;

g) Deveria ser incontestável que os resultados dos alunos visam avaliar, tão-só, os próprios alunos, a partir de uma notável diversidade de critérios, como conhecimentos adquiridos, empenho, assiduidade, condutas e valores, os quais variam na definição e na percentagem atribuídas por cada escola. Outra coisa diferente e admissível é a existência de avaliações externas dos níveis de sucesso e de insucesso das escolas, enquanto instrumentos de reflexão e de intervenção com vista à melhoria de resultados;

h) Tendo em conta o afirmado anteriormente, existem dinâmicas sociais e locais, cujo impacto nas escolas é real, mas de mensuração difícil e, como tal, não se encontram estudadas ao pormenor (como pressupõe o Modelo de Avaliação do Desempenho), relativamente às quais os professores são impotentes, não podendo assumir, naturalmente, o ónus por contingências que os transcendem, como sejam: as acentuadas desigualdades económico-sociais que afectam a sociedade portuguesa; o elevado número de jovens que vivem em situação de pobreza, em famílias desestruturadas ou cujos pais são vítimas de desemprego ou de ocupações precárias e mal remuneradas; a “guetização” de certas áreas residenciais, indutora de formas de socialização desviantes, de marginalidade e, consequentemente, de indisciplina na escola; a existência de elevados défices de instrução e de literacia entre os pais de muitos jovens que frequentam a escola; a falta de tempo, de motivação ou de saberes que permitam aos pais efectuar o acompanhamento escolar dos filhos ou, sequer, incutir-lhes o valor da aprendizagem escolar; as pressões familiares ou sociais para o abandono precoce da escola em troca de expectativas de trabalho e de remuneração. Além destas tendências, não podemos negligenciar as desiguais condições das escolas, nomeadamente, ao nível da qualidade e disponibilidade de equipamentos, da distribuição de alunos, quer com problemas e dificuldades acrescidas, quer com distintas resistências à disciplina e à aprendizagem, bem como ao nível dos suportes de acompanhamento psicopedagógico dos casos mais difíceis, para se darem apenas alguns exemplos;

i) É de recusar a rigidez e a inflexibilidade, meramente administrativas, nos critérios para a obtenção da classificação de Muito Bom ou de Excelente, penalizando o uso de direitos constitucionalmente protegidos, como ser pai/mãe, estar doente, acompanhar o processo educativo dos filhos, participar em eventos de reconhecida relevância social ou académica, acatar obrigações legais ou estar presente nos funerais de entes queridos;

j) A complexidade e a variedade dos saberes, das ferramentas e dos recursos mobilizados, pode conferir à docência de alguns professores uma extraordinária multicomponencialidade, a qual não é susceptível de, em muitos casos, poder ser adequada e seriamente avaliada por um único docente avaliador. Em outras situações, os parâmetros da avaliação podem postular a utilização de recursos inovadores que muitas escolas não estão em condições de assegurar ou mobilizar;

l) Este Modelo de Avaliação do Desempenho produz um sistema, prevalentemente, penalizador e que não é garante duma melhoria dos futuros desempenhos, além de que não discrimina positivamente os docentes que leccionam ou desenvolvem projectos com as turmas mais problemáticas e com maiores dificuldades de aprendizagem.

Os professores consideram pois necessário um tempo de preparação, reflexão e esclarecimento das seguintes dúvidas:
Como é possível começar a avaliar se a formação ainda não terminou ou em muitos casos começou sequer ?
Como é possível avaliar cientificamente professores de áreas diferentes do avaliador ?
Como é que os professores podem avaliar imparcialmente os seus alunos, nos termos do Código de Procedimento Administrativo, quando são parte interessada nessa avaliação?
Porque é que a avaliação externa influencia a avaliação de desempenho, quando apenas algumas disciplinas e ciclos são sujeitas a exame ou prova nacional ?
E no mesmo sentido, como podem ser atribuídas diferentes quotas para as atribuições de Muito Bom e Excelente a diferentes escolas, criando injustiças entre professores em situações semelhantes, quando nem todas foram alvo de avaliação externa, situação que não é da sua responsabilidade?Como é que se podem apresentar indicadores de medida quantitativos para objectivos individuais que ultrapassam a exclusiva responsabilidade do docente, como são o sucesso escolar ou a redução do abandono?
Como se avalia a relação com a comunidade ?
Como se pode avaliar doze colegas de departamento quando o avaliador apenas dispõe de três horas no seu horário de trabalho ?
Como é que se realiza a delegação de competências? Conforme o estipulado no CPA (com publicação em D.R.) ou segundo o referido na proposta de Orçamento para 2009, ainda em discussão, e cuja entrada em vigor se fará em Janeiro de 2009 ?
Como é que um avaliador que já cumpre horário em duas partes do dia, manhã e tarde, vai avaliar colegas que apenas leccionam à noite ?
Se o avaliador for, por incompatibilidade de horários, obrigado a faltar às suas turmas para assistir às aulas dos colegas, como é isso conciliado com o seu parâmetro “cumprimento do serviço lectivo distribuído” ?
Não havendo tempo para cumprir todas as tarefas de professor e avaliado ou avaliador, o que é prioritário: as tarefas dirigidas aos alunos ou as da avaliação ?
Como é que a classificação, de acordo com as recentes intenções manifestadas pelo ME em matérias de concurso docente, pode vir a condicionar a graduação profissional ?
Como é que um processo que se pretende comum a todos os professores pode assumir carácter tão diverso de escola para escola ?

É pois perante todos estes argumentos que a Assembleia-geral de Professores, aqui reunida, toma a decisão de suspender a sua participação em toda e qualquer iniciativa relacionada com a avaliação do desempenho à luz do novo Modelo de Avaliação do Desempenho na defesa da qualidade do ensino e do prestígio da escola pública.

Concluímos, reiterando a V. Exa. o pedido inicialmente formulado:
a urgente convocação de um Conselho Pedagógico extraordinário que faça a apreciação desta Moção/Proposta e que, caso com esta se solidarize, dela se dê conhecimento à Comissão Instaladora deste Agrupamento.

Os Professores abaixo-assinados:
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Moção aprovada por unanimidade e aclamação

Enviada por Manuel Castelo Ramos e por João Vasconcelos