quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Departamentos da Escola Secundária de Amora aprovam suspensão da avaliação

O departamento de Ciências Sociais e Humanas e o departamento de Línguas e Literaturas da Escola Secundária de Amora aprovaram, ontem, por unanimidade, em ambos os casos (no total são cerca de 60 professores), a suspensão de todos os procedimentos relativos à implementação do modelo de avaliação de desempenho em vigor.
Apresentam-se excertos da fundamentação dessas posições, cujo texto é, basicamente, o mesmo:


I

Sobre a Avaliação Diagnóstica

O Despacho n.º 16872/2008, de 23 de Junho, determina, num dos seus itens de avaliação relativos ao parâmetro classificativo «Melhoria dos resultados escolares dos alunos e redução das taxas de abandono escolar tendo em conta o contexto sócio-educativo», que seja avaliado o seguinte: «Progresso das aprendizagens dos alunos relativamente à avaliação diagnóstica realizada no início do ano» (cf. ficha de avaliação do desempenho do professor a ser preenchida pelo presidente do Conselho Executivo).

1. Não se conhece doutrina que considere ser possível comparar o progresso das aprendizagens dos alunos relativamente à avaliação diagnóstica realizada no início do ano lectivo. A avaliação diagnóstica inicial, todos o sabemos, tem como objectivos:
a) avaliar se os alunos possuem os pré-requisitos necessários às novas aprendizagens planificadas;
b) avaliar se os alunos já possuem, eventualmente, algumas das competências/conhecimentos previstos para a nova unidade didáctica;
c) e, se se considerar pertinente, avaliar se os alunos possuem «pré-conceitos», e quais, relativamente a uma disciplina que estejam a iniciar.
Deste modo, a avaliação diagnóstica informa o professor da necessidade, ou não, de voltar a abordar todos ou apenas alguns dos pré-requisitos exigidos, e pode possibilitar elementos de reflexão acerca das estratégias mais adequadas às necessidades específicas dos seus alunos.

2. Não se vislumbra, por conseguinte, como uma avaliação desta natureza, efectuada no início do ano, pode vir a dar quaisquer indicações pertinentes sobre o progresso das aprendizagens efectuadas ao longo dos três períodos lectivos, porque não são avaliações susceptíveis de comparação: não se comparam aprendizagens futuras com pré-requisitos, alguns dos quais podem ser, tão só e apenas, competências gerais e transversais.

3. Para além disso, como também todos sabemos, a avaliação diagnóstica é, pela sua natureza, necessariamente qualitativa, isto é, os testes diagnósticos não se classificam: visam dar elementos para se iniciar um processo de ensino-aprendizagem a partir de informações recolhidas sobre aprendizagens e/ou competências anteriores que, obviamente, não podem ser classificadas fora do contexto de ensino-aprendizagem em que ocorreram. Acresce que qualquer prova é elaborada em função da finalidade que possui. Por isso, um teste diagnóstico e um teste sumativo têm estruturas diferentes (o primeiro é de malha apertada e o segundo é de malha larga), porque têm finalidades diferentes. Não avaliam o mesmo nem avaliam da mesma forma, por consequência, os seus resultados não são comparáveis.
Conclusão: a avaliação diagnóstica fala de alhos e as avaliações sumativas falam de bugalhos.
Com base no acima alegado, pergunta-se:
— Em que doutrina se fundamenta a exigência de ser efectuada uma avaliação diagnóstica no início do ano para servir de referência a uma posterior comparação com as aprendizagens futuras dos alunos?
— Como vai o professor comparar coisas que não são comparáveis?
— Como vai o avaliador comparar coisas que não são comparáveis?
— Como pode esta comparação constituir-se como um elemento de avaliação do desempenho do professor?

II

Sobre a Avaliação Inicial

[...] Pretende-se, agora, substituir este item de avaliação: «Progresso das aprendizagens dos alunos relativamente à avaliação diagnóstica realizada no início do ano, constante do Despacho n.º 16872/2008, por um item onde se procede apenas à alteração do termo «avaliação diagnóstica» pelo termo «avaliação inicial», procurando-se, assim, ultrapassar o problema da impossibilidade da quantificação da avaliação diagnóstica. Contudo, uma mera alteração de palavras não consegue alterar a substância de um problema.
Primeiro, uma avaliação diagnóstica realizada no princípio do ano é, evidentemente, uma avaliação inicial e, por consequência, qualquer professor que realize uma avaliação diagnóstica está a realizar também uma avaliação inicial, continuando, desse modo, o problema inalterado relativamente ao acima exposto.
Segundo, se o que se pretende, de facto, ainda que não assumidamente, é considerar como avaliação inicial a realização de uma primeira prova sumativa e, por conseguinte, passível de quantificação, para servir de padrão a partir do qual se aferiria o progresso das aprendizagens dos alunos ao longo do ano; então, problemas vários se levantam, a saber:
a) Se, eventualmente, podem existir disciplinas cujas aprendizagens são cumulativas e progressivas, outras há em que isso não acontece. Logo, não se desenvolvendo as aprendizagens segundo uma linearidade cumulativa, que fundamento ou legitimidade há para se comparar as aprendizagens realizadas durante o ano com as aprendizagens avaliadas na primeira prova sumativa? Se são aprendizagens de diferente natureza, de diferente grau de dificuldade, se, eventualmente, reportam a competências diferentes, vai comparar-se o quê com o quê e para concluir o quê?;
b) Muitas são as disciplinas cujas unidades didácticas não se desenvolvem segundo o modelo de aprendizagens sequenciais, isto é, pode ser feita a alteração da sua cronologia de ensino, sem isso prejudicar as respectivas aprendizagens. Isto acontece tanto no ensino diurno como no ensino nocturno. Por exemplo, no ensino recorrente por módulos capitalizáveis esta possibilidade está até formalmente prevista, e para todas as disciplinas. Assim, coloca-se a questão: porquê os resultados do primeiro teste sumativo como padrão e não os do segundo ou os do terceiro? Porquê eleger o primeiro teste sumativo como sendo o mais significativo, se a isso pode não corresponder, e em regra não corresponde, qualquer realidade substantiva, do ponto de vista pedagógico-didáctico, que sustente a realização de comparações?

Estes são, apenas, alguns exemplos dos muitos que poderiam ser apresentados. A natureza do processo de ensino-aprendizagem e a seriedade dos métodos de avaliação não se podem torcer à força, para satisfazer desejos ministeriais estranhos à realidade educativa.

III

Sobre o parâmetro classificativo
da ficha de definição de objectivos individuais:
«Melhoria dos resultados escolares».

Para este parâmetro, a ficha de objectivos individuais solicita que cada professor apresente: «Fundamentação/contexto turma (metas a atingir no âmbito das competências e estratégias a aplicar).

Uma questão prévia deve ser aqui suscitada: de que modo as competências a atingir pelos alunos podem/devem ser inseridas na ficha de objectivos individuais dos professores?
Sendo que as competências a adquirir são definidas pelo Ministério da Educação nos programas de cada disciplina, não se vê, deste modo, a relevância que possa ter a enunciação dessas competências na ficha de objectivos individuais.
Se se está a pensar em casos excepcionais em que, no decorrer do ano, o professor verifica que, por razões diversas, uma turma não vai poder atingir as competências previstas e, por conseguinte, se vê obrigado a efectuar uma redefinição de competências (o que deve ser feito no âmbito do seu departamento e do conselho de turma respectivo); isso, contudo, não é uma situação que possa ou deva ser enunciada logo no início do ano, porque ainda não há um conhecimento fundamentado dos alunos que só o decorrer do tempo possibilitará alcançar.
Este tipo de ocorrências deverão ser mencionadas e fundamentadas pelo professor nos documentos relativos à sua planificação lectiva e na sua ficha de auto-avaliação, e não nos objectivos individuais do professor.
Propomos, portanto, que seja retirado o termo «competências» deste item.

A avaliação das estratégias aplicadas pelo professor, em sala de aula, é um item avaliativo pertinente e que deve fazer parte de qualquer avaliação de desempenho docente, mas é um item que exige condições para que a sua avaliação possa ser séria e fiável.
Do nosso ponto de vista, a avaliação das estratégias levadas a cabo por um professor na sala de aula, deve fazer-se a dois níveis:
— a nível da fundamentação que justifica a opção por uma estratégia em detrimento de outras;
— e a nível da sua aplicação na sala de aula.
(Excluímos a possibilidade de os resultados obtidos com essa estratégia poderem ter efeitos na avaliação de desempenho do professor. Não só pelas razões aduzidas pelo Conselho Científico para a Avaliação dos Professores, que mais à frente faremos referência, mas também porque para nós é claro que um professor não poderá ser penalizado por ter seguido uma estratégia cujos resultados ficaram aquém do esperado, se as razões que fundamentaram essa opção estratégica forem sólidas e se a sua aplicação tiver sido adequada).
Regressando aos dois níveis acima enunciados, coloca-se, agora, a seguinte questão: nas condições e nos termos definidos pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, é possível avaliar com seriedade e fiabilidade a fundamentação e a aplicação das estratégias utilizadas, em sala de aula, pelos professores?
Uma avaliação séria da fundamentação que o professor apresenta acerca da sua opção por uma determinada estratégia, a ser realizada numa determinada turma e referente a determinado segmento do programa curricular, exige duas coisas:
a) que o professor avaliador tenha a mesma formação científica do professor avaliado para poder julgar da pertinência da relação entre estratégia e segmento do programa curricular — situação que, como se sabe, não vai ocorrer em diversos casos;
b) que o professor avaliador tenha um conhecimento aprofundado da turma em que a estratégia vai ser aplicada — só assim poderá avaliar da pertinência da fundamentação relativamente a uma determinada turma específica; caso contrário, a fundamentação pode não passar de um mero exercício teórico sem qualquer correspondência com a realidade da turma leccionada pelo professor avaliado. Se não houver esse conhecimento, poder-se-á premiar quem for capaz de realizar um exercício teórico de elevada qualidade, mas sem qualquer relevância para determinada prática lectiva específica; e penalizar quem não tenha um exercício teórico tão proficiente, mas cujo conteúdo possa ser muito mais adequado e pertinente relativamente à realidade de determinada turma.
Ora, é um dado objectivo que nenhum professor avaliador tem a possibilidade de conhecer, com um mínimo de profundidade, uma turma com a qual vai contactar, apenas, três vezes durante um ano. Deste modo, é claro para todos que, nas condições e nos termos definidos pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2008, a fiabilidade e a seriedade do trabalho do professor avaliador não podem ser garantidas por ninguém. E sem garantias mínimas de fiabilidade e de seriedade, esta avaliação, como qualquer outra, não pode ser realizada.


IV

Acerca da avaliação diagnóstica, da avaliação inicial, da melhoria dos resultados dos alunos e das recomendações do Conselho Científico para a Avaliação dos Professores

Tudo o que acima foi exposto é reforçado pelas recomendações emanadas do Conselho Científico para a Avaliação dos Professores. A recomendação nº 2/CCAP/2008 é muito objectiva e clara, quando afirma:

«De momento, não existem instrumentos de aferição para determinar com objectividade o progresso dos resultados escolares dos alunos, dada a multiplicidade e complexidade dos contextos em que as aprendizagens se fazem e a natureza de inovação que este factor introduz;

[...]
A produção de instrumentos de aferição fiáveis e de reconhecida credibilidade científica é uma tarefa complexa e morosa, a desenvolver por instâncias competentes e alheias ao processo de avaliação de desempenho;

Torna-se necessária a existência de normas internacionalmente aceites para a produção de testes que atendam à multiplicidade e complexidade referidas, bem como a produção de indicadores de valor acrescentado para a quantificação de progresso dos resultados escolares, para promover a eficácia do sistema sem pôr em causa os princípios e os valores que o enformam, nem permitir a insegurança gerada pela ausência de monitorização isenta e rigorosa;

A utilização dos resultados escolares e a análise da sua evolução, para efeito de avaliação de desempenho, não deve desligar-se do contexto particular da turma e dos seus alunos, nem limitar-se, de forma alguma, a uma mera leitura estatística dos resultados;

No contexto de complexidade do processo de aprendizagem, não é possível determinar e aferir com rigor até que ponto a acção de um determinado docente foi exclusivamente responsável pelos resultados obtidos, conforme a literatura científica consensualmente refere
Em consequência, o Conselho recomenda que:
A melhoria dos resultados escolares constitua, em primeira instância, uma resposta partilhada pela escola e pelo docente;
[...]
No caso particular do processo de avaliação de desempenho ao ano escolar de 2008-2009, o progresso dos resultados dos alunos não seja objecto de aferição quantitativa; [...]».
Conselho Científico para a Avaliação de Professores, Princípios Orientadores sobre a organização do processo de avaliação do desempenho docente – recomendações n.º2/CCAP/2008, pp.10-12.

É possível fazer de conta que o texto desta recomendação não existe?
O n.º 2 do art.º 6 do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, determina que: «Os instrumentos de registo [...] são elaborados e aprovados pelo conselho pedagógico [...] tendo em conta as recomendações que forem formuladas pelo conselho científico para a avaliação de professores».
De que modo esta recomendação foi tida em conta?
[...]

V


Conclusão

Em síntese, e considerando que:
— Não sendo a avaliação diagnóstica quantificável nem susceptível de comparação com nenhuma outra avaliação;
— Não sendo aceitável proceder à substituição da avaliação diagnóstica por uma avaliação inicial sumativa;
— Não sendo possível assegurar, nas condições e nos termos definidos pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2008, o mínimo de fiabilidade na avaliação das estratégias levadas a cabo pelo professor na sua actividade lectiva;
— Não se podendo aferir, no ano lectivo 2008-2009, o progresso dos resultados dos alunos, conforme a recomendação Conselho Científico para a Avaliação dos Professores;
— Não estando ainda prontos muitos dos documentos exigidos pela legislação, que deveriam estar elaborados antes do processo ter sido iniciado;

Conclui-se que:

Não existem, objectivamente, condições que garantam que o processo de avaliação do desempenho dos professores seja sério, equilibrado, fiável e justo.
Deste modo, consideramos que a decisão a tomar deve ser a seguinte:
1. Suspensão de todos os procedimentos, internos à Escola, decorrentes da implementação do modelo de avaliação de desempenho em vigor;

2. Que o Conselho Pedagógico requeira ao Ministério da Educação a suspensão do modelo de avaliação de desempenho em vigor.