quinta-feira, 10 de julho de 2008

Mais uma nota sobre a questão das quotas e da excelência e por aí fora

Começo por recordar, de modo breve, o que toda a gente sabe: o governo e a ministra da Educação, para retirarem dinheiro à Educação, sujeitaram, em sede de avaliação de desempenho dos docentes, as classificações de «Excelente» e de «Muito Bom» ao sistema de quotas. Isto é, um professor pode ser, de facto, «excelente», mas se, na sua escola, o número de professores «excelentes» for superior à quota administrativa imposta pelo Ministério, esse professor não terá direito à classificação de «excelente», conforme o seu mérito exigiria. E fizeram o mesmo com o acesso à categoria de professor titular. Para quem enche o discurso com a defesa do mérito, é uma contradição insanável.
Tentando justificar o injustificável, o governo convoca sempre o exemplo do que se passa nas empresas. A este propósito, um também breve aparte.
O fascínio pelo modelo empresarial revela, do meu ponto de vista, linearidade na análise. Entre outras, por três razões:
1.º porque não vê, ou não quer ver, que o mundo da procura do lucro não é comparável com o mundo da formação educacional. Ou seja, não vê, ou não quer ver, que estamos perante dois mundos com objectivos de natureza divergente (e, por vezes, oposta) — um tem objectivos de natureza quantitativa e o outro de natureza qualitativa;
2.º porque não vê, ou não quer ver, que é da organização empresarial que nos chegam, muitas vezes, os piores exemplos de desrespeito pelos direitos dos seus profissionais e de práticas inaceitáveis de desumanização e de injustiça;
3.º porque não vê, ou não quer ver, que o arquétipo organizacional de uma escola não é nem deve ser o mesmo que o arquétipo organizacional de uma empresa e, consequentemente, a forma de realizar a avaliação de desempenho dos profissionais desses dois modelos não deve nem pode ser idêntica.

Mas vamos ao que interessa, que isto é, apenas, um rápido apontamento. O argumento do governo está sintetizado na frase do secretário de Estado, Jorge Pedreira — já por mim citada, num outro post — : «Em qualquer grupo [profissional], se todos puderem ser excelentes o que está errado é a própria definição de excelência.» Já tive oportunidade de me referir à falácia que aqui está presente, hoje, contudo, vou somente ater-me a um exemplo que vem do próprio meio empresarial, o tal idolatrado meio que anda a seduzir meio mundo.
A empresa norte-americana Apple, a empresa que, segundo muitos especialistas, produz não só os melhores computadores do mundo como o melhor Mp3, é dirigida há já muito tempo por um dos seus fundadores, Steve Jobs. Ora, é sabido que o CEO da Apple tem como critério de selecção dos seus colaboradores a superior qualidade do seu desempenho profissional, só quer ter a trabalhar consigo os melhores. A revista Sábado, de hoje, traz, a propósito do lançamento em Portugal do iPhone, um extenso artigo sobre o funcionamento daquela empresa, onde se pode ler que Jobs tem como requisito que aqueles com quem trabalha «sejam todos excelentes». Eu volto a escrever: Jobs tem como requisito que aqueles com quem trabalha «sejam todos excelentes». Lê-se e não se acredita: todos «excelentes»?! Todos?!
Segundo o secretário Pedreira, segundo a ministra Rodrigues, segundo o engenheiro Sócrates, o chefe da Apple só pode ser um incapaz que não conhece a definição de «excelente» e que permite e quer que todos os seus profissionais sejam «excelentes».
A nós, o que nos vale é termos secretários assim, ministras assim e engenheiros assim, que nos ensinam o que é ser «excelente» e não permitem que sejamos enganados por charlatães como esse tal Jobs. Ele que se acautele, senão ainda leva uma reprimenda pública do nosso primeiro, que é para aprender a não andar por aí a dizer enormidades. Incompetente!