terça-feira, 6 de maio de 2008

A propósito da recente reedição, pela Letra Livre, de «Portugal - Povo de Suicidas», de Miguel de Unamuno

«Viajando por Portugal, teve certa ocasião um amigo meu necessidade de ir ao escritório do gerente do hotel, escritório esse em que havia um cartaz com recomendações aos viajantes escrito em francês, italiano, alemão e inglês. O meu amigo, viajante infatigável, que arranhava alguma coisa de cada uma destas línguas, aproximou-se do gerente e disse-lhe: "Vous parlez français, n'est-ce pas?": ao que ele respondeu: "Não, não falo francês"; e logo: "Lei parla italiano?", e ele: "Não, não falo italiano"; de seguida: "Do you speak english?", "Não, não falo inglês"; e por último "Sprechen sie deutsch?" ao que ele respondeu: "Não, não falo alemão". Diz-lhe o meu amigo então: "Homem, você fala espanhol?", e o português: "Sim senhor, entendo o espanhol". "Pois bem - acrescentou o meu amigo -, diga-me uma coisa, antes de continuar: Você não sabe nem francês, nem italiano, nem alemão, nem inglês, tendo aí uma recomendação nessas quatro línguas, e na única que você, além da sua, parece conhecer, em castelhano, não há nada. Como é isso?" Ao que o português respondeu num castelhano correcto: "Diga-me o senhor em que hotel de Espanha é que viu recomendações ou advertências em português?" O meu amigo calou-se. Mas pude com razão afirmar-lhe que nem lá faz falta o espanhol nem aqui o português, pois nos entendemos bastante bem falando cada qual o seu idioma.
E sendo assim, a que é que se deve este afastamento espiritual e esta tão escassa comunicação de cultura? Creio poder responder-se: à petulante soberba espanhola, por um lado, e à impertinente suspicácia portuguesa, por outro. O espanhol, principalmente o castelhano, é desdenhoso e arrogante e o português, tal como o galego, é receoso e susceptível.»
Miguel de Unamuno, Portugal - Povo de Suicidas

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