segunda-feira, 19 de maio de 2008

O dever da indignação

Nos longínquos (!) tempos do cavaquismo, fui, como muitos outros, ao Congresso "Portugal, que futuro?", promovido por Mário Soares. O então paladino mor da democracia proclamou aí, com o simbolismo que se sabe, que o direito à indignação se havia tornado um imperativo de consciência num Estado democrático corroído pelos males do cavaquismo. Por onde anda agora a capacidade de se indignar de Mário Soares? E dos outros elementos do PS que, supostamente, seriam a reserva moral na defesa dos valores da democracia e da liberdade? Reformaram-se ... até da consciência cívica?
Em dois artigos de uma actualidade inquietante, Joaquim Letria («A geração J») e Batista Bastos («O ranço Salazarista») reflectem sobre o estado a que tudo isto chegou. Diz J. Letria que "A geração que nos governa é a dos enteados do salazarismo ..." e, diz B. Bastos que "... é impossível ver qualquer membro deste governo sem se ser assaltado por uma repugnância visceral ...". É efectivamente isto que sinto.
J. Letria acertou em cheio na identificação da "matriz genética" da estirpe que é hoje Poder. O Padrasto, se fosse vivo, podia até não se rever na incompetência, mas rever-se-ia por certo no estilo e nas intenções.
A repugnância visceral de que fala B. Bastos é um sentimento que não consigo evitar ... o que me pode até trazer evidentes prejuízos de ordem profissional: se ouço com dificuldade, e incontida repugnância, qualquer membro do actual governo, por maioria de razão, já não consigo sequer ouvir Sócrates e Maria de Lurdes! Vejo-me, assim, frequentemente na situação de sujeito "mal/pouco informado", para espanto de colegas de profissão que me abordam na expectativa da troca de uns pontos de vista sobre os tempos que correm. E indigno-me, indigno-me profundamente, por me ver cada vez mais rodeado por gente que repete a linguagem deste Poder, que comenta (?!) a situação na lógica do discurso governamental, que renega servilmente os fundamentos éticos e pedagógicos da profissão, que se resigna para além do que a falta de esperança explica, que apenas quer sobreviver a qualquer preço. É este tipo de "professor" que eles querem, penso ... em voz baixa. E penso no "Discurso sobre o filho da P..." de A. Pimenta, e no que ele escreveu então sobre a escola como "lugar excelso do filho da p..." . E penso que os tempos são outros, oh Pimenta!
A imparcialidade que, toda a vida, busquei como sustento da dignidade no exercício profissional, deu lugar a uma cada vez mais evidente parcialidade, como se a vida fosse um encontro constante de motivações clubistas e eu, qual adepto fanático, quizesse apenas a vitória do meu clube a qualquer preço e visse na derrota do adversário um saboroso triunfo. De facto, a minha maior esperança já é, apenas, comemorar uma derrota. Se possível em 2009.