quarta-feira, 9 de abril de 2008

A ministra da Educação quer dar o que ninguém lhe pediu!

Ontem, a ministra da Educação anunciou que «os eventuais efeitos negativos resultantes das classificações de regular e de insuficiente atribuídas no final do primeiro ciclo de avaliação só se produzirão, efectivamente, se essas classificações forem confirmadas numa segunda avaliação intercalar a realizar no ano lectivo imediato.»

Que eu saiba, ninguém pediu isto! Que eu saiba, ninguém pediu facilitismos!
Para tentar salvar, aos olhos da opinião pública, o desastroso modelo de avaliação de desempenho que criou, a ministra da Educação vale-se de tudo o que, do seu ponto de vista, possa servir para aparentar diálogo, tolerância e compreensão, e, desse modo, alcançar duas finalidades: a desresponsabilização relativamente ao conflito que ela própria gerou, atribuindo aos professores a origem dos problemas; e a preservação do seu modelo de avaliação. Cumulativamente, procura dar a imagem de que os professores pretendem pouca exigência e querem facilidades.
Sem coerência, porque sem critério, a ministra e os secretários de Estado têm, nas últimas semanas, anunciado medidas avulsas e descontextualizadas (algumas delas anunciadas num dia e desmentidas no dia seguinte):
- alteração de prazos (que sempre foram impossíveis de qualquer cumprimento – o que revela a confrangedora incompetência de quem os apresentou);
- simplificação dos instrumentos (o que ninguém sabe, formalmente, em que se traduz e em que legalidade se sustenta);
- desburocratização do processo (concluiu-se que afinal o processo sempre é burocrata e desmesurado);
- definição, para o ano lectivo 2008/2009, de um crédito de horas destinado à concretização da avaliação de desempenho dos professores (para o próximo ano lectivo! Todavia, o Ministério insiste que o processo é para ser aplicado este ano e afirma que muitas escolas já estão a fazê-lo. Mas o crédito é só para o próximo ano lectivo!);
- possibilidade dos professores contratados poderem renovar os seus contratos, se as escolas também o desejassem, sem que, neste ano lectivo, ficassem dependentes de haver ou não avaliação (esta medida foi anunciada por um dos secretários de Estado e foi desmentida, no dia seguinte, pela ministra);
- etc., etc.
Ontem, chegou a vez de ser acrescentado mais um ponto ao conto. Ponto profundamente lamentável, que procura aliciar os professores com indulgências ou complacências, que tenta suavizar a indignação com condescendências que ninguém solicitou, tudo para que os protestos não prossigam e para que a monstruosidade avaliativa, que este governo produziu, possa manter-se.
Isto também já serviu para que o jornal Público pudesse, hoje, titular, na primeira página: «Novo passo atrás na avaliação de docentes». E na última página pudesse escrever: «Passo a passo, a proposta governamental de avaliação dos professores vai sofrendo recuos e rectificações e vai sendo suavizada. [...] É pena que o cálculo político se sobreponha aos interesses do país: um bom sistema de avaliação.»
Independentemente do jornalista que escreve isto não fazer a mínima ideia daquilo que está a dizer, a imagem que predomina é a de que o modelo era bom e está a ser adulterado pelas exigências dos professores, a que a ministra vai cedendo. E tudo é falso: nem o modelo é bom, nem a ministra cede, nem os professores lutam por facilitismos.
Quase inacreditavelmente, vamos vivendo neste imenso faz-de-conta sem consequências de maior.
Quase inacreditavelmente, parece que, há um mês, não estivemos 100 mil a desfilar pelas ruas de Lisboa.
Quase inacreditavelmente, parece que há alguém que não sabe o que fazer com a força de 100 mil professores.